É uma questão de costume, ela responde. Na verdade, ela acredita ser isso. Nunca tinha pensado a respeito. Nunca tinha visto os relógios batendo como um problema. À ela, não incomodam. É uma verdadeira sinfonia para meus ouvidos, pensa. Ouví-los dá a noção e a dimensão do que é o seu mundo. Mas hoje eles estão parados. Todos eles. Já faz quase 50 dias. Silêncio que incomoda. Não combina. Quem vê de longe não entende. Pensam que eles são prisioneiros das horas. Prisioneiros do tempo. Mas uma coisa não tem nada a ver com a outra. Cada relógio tem seu tempo próprio. 2 minutos, 5 minutos, 10 minutos de diferença entre todos eles para o badalar das horas cheias não ser ensurdecedor e incômodo. É possível perder a hora sim. É possível adiantar-se à ela também. Depende da forma com que cada um guia sua própria vida.
Ela pensa em dar corda em cada um deles, mas ele teria um ataque se soubesse que ela tentou fazê-los funcionar. "Não faça isso. Você vai acabar tirando eles do eixo". Admira a dedicação que ele tem para com cada uma das peças. Como limpa e espana cada detalhe. Como sente prazer em ajustá-los e alinhá-los. Como dedica tempo e atenção a uma tarefa ridiculamente simples, mas que muitos não teriam capacidade ou paciência de fazê-la.
Ela sente falta de - mesmo do quarto - não conseguir ouvir os relógios tocando. De perder sua referência de horário em plena madrugada. De acordar e ouvir o silêncio. Já faz quase 50 dias que não se ouve mais nada. Hoje é domingo e ela já está acordada - não sabe há quanto tempo -, mas continua deitada na cama. Pensa na semana que irá começar. Pensa no trabalho. Pensa em você e na próxima viagem. Pensa em... Barulho. Ou melhor, música para os ouvidos. E sorri. Por dentro e por fora. Batidas compassadas como a de dois corações ou de alguns relógios... Eles voltaram a badalar. O que significa dizer que você, finalmente, voltou pra casa...
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