Havia aprendido a receita de cappuccino com a mãe. Não sabia se fazia uma medida para o momento ou se preenchia latas e latas com a mistura para semanas a fio. Peneirava pó por pó com uma paciência de Jó. Quem me disse que cozinhar pode ser uma terapia? Parou, olhou pela janela, para as plantas lá fora e lembrou. Foi ele. E uma avalanche de lembranças, de repente, se fez presente. O café na cama e a variedade de doces folhados que ele tinha escolhido só para ela. E as noites frias e de chuva em que ela acordava assustada, mas se acalmava ao sentir o calor, o abraço e o toque das mãos dele. E as tentativas frustradas de fazer com que ela se exercitasse no parque, mas ela insistia em que não precisava. Era movida a cafeína. E todos os lanches, doces, bebidas nos diferentes períodos do dia. E...
Quando se deu conta, já estava batendo aquela mistura com uma velocidade absurda e o pó que subia foi grudando em suas mãos e braços. Parou, num misto de euforia e desalento. Colocou a bacia na bancada. Apoiou as duas mãos e respirou fundo. Uma, duas, três vezes. Controle-se. Não chore porque você sabe que não vale a pena. Passou as mãos por entre os cabelos e aquele cheiro de café, mais chocolate fizeram-na sorrir. O cheiro já estava impregnado em suas narinas e a sensação de bem estar fez com que suas mãos percorressem o seu corpo inteiro. Espalhava aquele pó por entre braços, barriga, colo, nuca, costas e coxas.... Desenhos disformes que eram fixados à pele graças ao seu suor. E ela riu: sentada, sozinha e emporcalhada em sua cozinha. Já não tinha mais necessidade de provar do líquido amargo ou do cappuccino cremoso. Seu tato e olfato já tinham comunicado à sua mente da saciedade. Voltou para o quarto. Nem ao menos cogitou a possibiliade de um banho. Jogou-se na cama, forrada por lençóis brancos. Ficaria ali a manhã inteira. Rolando de um lado para o outro estampando desejos, saudades, lembranças... E lamentando, amargamente, o fato de ele conseguir odiar café...
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