domingo, 5 de abril de 2009

Entre o real e o imaginário

Não queria que as coisas que você escreve tocassem tanto o meu coração. Não queria sentir que vez ou outra perco meu próprio controle em função sua. Não queria acreditar nas maravilhas que você descreve, muito menos acreditar em suas dores. De uma forma ou de outra, elas acabam virando as minhas também. É algo maior que eu. A racionalidade - aquela que uso como armadura - se desmancha quando você me toca. Não fisicamente, mas com suas palavras. Não basta aflorar as emoções que eu tento esconder ou disfarçar, mas você também quer gerar a discórdia entre aquilo que penso e sinto. Por que é tão difícil balancear as duas forças? O que eu deveria aniquilar? Você já escreveu sobre essa disparidade. Parece simples, mas é algo que foge a minha compreensão que sempre buscou o complexo.
Às vezes, me assusto como suas estórias me consomem por dentro. Por vezes me falta o ar. Outras me sinto queimar de raiva ou de tanta paixão. Tem vezes em que eu me desmancho em lágrimas. É como se seus personagens ganhassem vida de encontro à minha. São tão reais quanto a minha existência. Sentem o mesmo que eu. Condenam outros da mesma forma. Sofrem, desistem, voltam atrás e apesar de todas as contradições, eles vivem. Fica fácil acreditar em você e naquilo que você tão habilmente me diz. Ou me escreve. Ou me inventa. Ou me conduz. Ou me induz.
Mas são apenas palavras e talvez eu não devesse fixar-me tão ingenuamente à elas. A sua vida não é aquela que você me faz acreditar, mas é aquela que por vezes me dói imaginar. Queria poder te dizer que eu sei o que é real. Que eu sei de onde todas as suas histórias partem. Que eu sei o porquê você escreve o que escreve. Que eu sei exatamente onde o real e o imaginário se misturam ou se separam por entre as linhas e as entrelinhas dos seus contos. Mas eu não sei. E existem certas coisas que a gente não deve buscar entender. Porque doem, porque ofendem, porque permanecem obscuras - quando e onde - não deveriam estar. Porque a razão é carrasca e o sentimento ingênuo. Porque ainda não sabem conviver. Porque se digladiam e já não se sabe mais o que pensar ou sentir. O que importa é que toda vez que eu te sinto, eu me sinto. Eu vivo. Eu sigo. Mesmo que no escuro e sozinha, mas sigo. E é o que vou continuar fazendo. Sabendo ou não de onde tudo vem. Sabendo ou não o que diabos você tenta e quer me dizer.

4 comentários:

Só para raros disse...

Além da data de aniversário, eu também tenho muita coisa em comum com ele.
Como você, me percebo, me conheço e me reconheço em seus livros. Eles não se cansam de marchar em favor da minha insônia nem de militar contra o meu sossêgo.
Eles me perturbam. Apelam para o que me movimenta. Sussuram para mim sentimentos e idéias. E eu acredito em tudo.
Quando o li pela primeira vez "A tregua", com a sua doçura e desespero silencioso, eu chorei. E na segunda vez também. É o livro que eu gostaria de ter escrito. É o livro que me revela. E foi a maneira que encontrei para compartilhar com você o que sinto, quero e sou. Sem saber, você me levou pra casa com dedicatória e tudo!rs
Eu me surpreendi ao ler o seu texto, pois cada vez que você escreve há um crescimento qualitativo que me deixa realmente feliz e orgulhoso. Eu vibro mesmo. Mas confesso que não foi surpresa saber que "ele" fala com você como fala comigo. Afinal, a minha alma também sussurra coisas para a tua e vice-versa...

Só para raros disse...

pffff

Letícia disse...

Chorei. E chorei muito. Nada que eu escreva como resposta vai tirar o brilho e a perfeição do seu comentário. Por isso demorei a responder. Você não facilitou a minha vida. Quase sempre eu consegui perceber ou desvendar seus gestos e palavras, mas você nunca tinha se revelado dessa forma antes. Foi uma surpresa que me desmanchou. O bom de tudo isso é que, assim como Benedetti e outros, você consegue falar e sussurrar coisas à minha alma. Coisas conflitantes, que me comovem, que me agradam, outras nem tanto, mas é assim que é e não teria como ser diferente: você também já é o escritor que um dia eu quero ser. Muito obrigada pelo seu comentário. É lindo e eu acredito em suas palavras. E pensar que a minha única semelhança com ele seja o nariz de batata. Mas acho que até com esse 'pequeno' detalhe eu deva ficar feliz... Certo? :)

Só para raros disse...

Viu que ele faleceu ontem?

beijo,