segunda-feira, 25 de agosto de 2008

... É agora

Ele chegou. Dá apenas 3 passos e pára logo na entrada. Ela desliga a torneira, mas tem medo de fitá-lo. Compreendeu, enquanto lavava a louça, que o que menos queria era brigar. Respira fundo e vira com o seu melhor olhar. Aquele que diz: por favor, estou emocionalmente em frangalhos. Não quero brigar agora. Estou cansada. Podemos ir deitar?

Tarde demais. Por que o olhar que ela cruza é aquele possesso e que chama pra briga: vamos lá! O que foi que eu fiz ou deixei de fazer dessa vez? Vai, joga logo na minha cara! Vamos acabar logo com essa palhaçada... Ele, no entanto, não verbaliza esse seu desejo. Ela muito menos. Ele não sabe dizer o que ela está pensando naquele momento. Ela muito menos. Ninguém quer dar o primeiro passo, pois este é o mais incômodo e os dois são orgulhosos ao extremo.

Ela senta no balcão onde minutos antes tinha jantado sozinha. Dá um meio sorriso, sem jeito, olhando para o chão e em seguida pra ele, como quem diz: você é um besta, eu odeio várias coisas que você faz ou deixa de fazer, mas isso não muda nada: eu sou sua e te amo apesar de toda a sua teimosia e indiferença. Ele vai se aproximando e pensando nunca tenho certeza do que ela quer dizer ou pensa. É tão impulsiva, intensa e imprevísivel que eu não consigo ficar longe. Me surpreende toda vez. Amo você sua bestona e por mais que você duvide várias vezes, sou apenas seu. Ele chega bem perto, já esboçando um leve sorriso. Pára bem em frente a sua mulher. Os dois se olham. Ela já fecha um pouco a cara como que dizendo: você sabe muito bem do que se trata e agora fica aí se fazendo de gostosão pra cima de mim como que pra evitar tudo isso. Ele mantêm o 'quase sorriso' como quem diz: eu sabia. Você ainda teima em enxergar coisa onde não tem! Vive querendo me arranjar outra mulher quando você é a única que eu tenho, quero e preciso. Dá pra entender?

Ela fica sem jeito. Não sabe se acredita ou se aceita o fato de que é uma besta ciumenta. Puxa-o para si, envolve-o com seus braços e pensa em dizer: não me deixe nunca. Quero seu abraço, seu beijo e acordar ao seu lado pra sempre... No matter what! Ele a pega no colo e ela deita a cabeça em seu ombro. A caminho do quarto ele pensa em dizer: eu não vou a lugar nenhum... Sem você! O meu lugar é ao seu lado...

Ele a coloca na cama e deita junto dela. Ela finalmente diz eu te amo, já sem medo ou receio algum. Ele sorri, beija sua testa e diz eu tb. Sim, eles brigaram. As diferenças, as palavras não ditas, foram reveladas em pensamento. O amor tem dessas coisas e os dois entenderam. Hoje a briga foi tranquila e, pela primeira vez, silenciosa... Nunca foi tão fácil pensar em fazer as pazes. O silêncio que se fez presente em todo momento agora abrirá alas para os gemidos de prazer...

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

O momento apropriado...

Hoje é o dia...
Ela está com medo. Muito medo do que vai acontecer nessa noite. Ele ainda não chegou em casa e a espera por ele será tensa. Está pensando em fritar um ovo. Pega-o na geladeira e o óleo no armário suspenso, perto do fogão. Fica tranquila. Converse com ele, não faça acusações em função dos seus malditos medos. Ele estava pra chegar e uma briga iria acontecer. Ele mesmo já estava ciente disso, pois o dia já havia amanhecido diferente, sem cor, sem diálogo... Já não era mais possível adiar o inevitável: mais um bate-boca infernal. Fato a ser consumado dali a poucas horas, se bobear, em alguns minutos...

Seu estômago embrulhava: de fome e de nervosismo. Ele sempre era o responsável pela refeição de ambos, já que ela mal sabia o que fazer numa cozinha. Ele era praticamente um chef: cozinhava e inventava pratos como ninguém. Um fio de óleo depois e ela imaginava o que ele poderia fazer pra saciar a fome que ela costumava sentir depois de um dia de trabalho pesado. Qual terá sido a última vez que ele fez aquele penne ao molho de melão e presunto de Parma maravilhoso? Na última visita de seus pais? Ou em alguma comemoração? Desajeitadamente, jogou o ovo (no óleo já borbulhante) e acabou por queimar a mão. Merda! Presta atenção no que faz, mulher! Ela mexia com uma mão, enquanto sua língua aliviava a queimadura da outra. Nada dele chegar...

Desligou o fogão, pôs a frigideira ao lado e ligou a torneira pra esfriar a mão queimada e melecada. Ele não vai me entender. Quase nunca entende. Pelo menos não ultimamente. Só sabe jogar meus medos e inseguranças na minha cara. Pegou a frigideira, a colher de pau e sentou no balcão da cozinha a esperá-lo. Ele odeia que eu coma qualquer coisa diretamente da panela, mas quer saber? Ele não está aqui mesmo e vamos brigar de qualquer forma, então...what the hell!

Entre uma colherada e outra, relembrava tudo o que de bom tinha acontecido em suas vidas. Não eram casados, mas era como se fossem. Estavam juntos há quase 5 anos e dividir o mesmo teto parecia algo natural. Fazia apenas um ano que compartilhavam deste mesmo espaço físico. Um loft amplo, bem localizado e com a cara dos dois: cheio das modernidades tecnológicas dele aliado às quinquilharias rústicas dela. Tinham diferenças gritantes, mas no geral, se davam muito bem.

Se ao menos ele tranquilizasse os meus medos e aflições, como ele fazia antigamente, mas ele não tem tempo pra mais nada! Parece que não se importa comigo, nem com ele, nem com o que é nosso. Na última briga não conseguimos nem fazer as pazes direito, pelo amor de Deus! As pazes era feitas na cama. Ou a caminho dela. Sempre. Ela sempre conseguia fuzilá-lo com os olhos e as palavras duras, enquanto ele rebatia furiosamente suas acusações infundadas - dignas de uma louca. Um sempre queria falar mais alto que o outro e a medida que se xingavam, soltavam injúrias já sem (ou com) sentido, iam se aproximando. Cada vez mais. Ela ficava louca, pois sabia que era provocação dele e ela não ia resistir. Pouco importavam os móveis novos ou as roupas (des)alinhadas, pois não tinham nada de muito valor... Sempre se atracavam no meio da sala ou no balcão da cozinha ou na mesa de jantar, no chão, não importava. O momento de fazer as pazes é que fazia toda discussão besta valer a pena...

Já tinha terminado seu mísero jantar e estava lavando a louça. Quase meia hora depois de toda sua angústia e suas lembranças, ouve um barulho na fechadura. A porta pesada e de arrastar se abre. Ele chegou. (continua...)

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Controle: ele acha que tem!

Ele é um cara bacana e divertido. Qualquer um enxerga isso. Um pouco insano, mas até isso já acaba sendo normal. É novo, quase 30 anos, mas já consegue vislumbrar no horizonte todo o rumo da sua vida. Nem todos os caras de 30 anos podem dar-se a esse luxo. Em seu trabalho é reconhecido e admirado. Ganha muito bem e dificuldade não faz parte do seu vocabulário. Acredita ser o 'dono da situação' e que tudo vai correr conforme a música que ele escolher. Enquanto seus desejos e vontades mais secretos não acontecem, ele vai vivendo muito bem com aquilo que tem. Não se preocupa com o tempo ou a falta dele. Não empenha-se em trazer para o presente parte daquilo que almeja para o futuro. Eu diria que ele é muito seguro num mundo entupido de incertezas. Ele sabe tudo o que quer. Pelo menos é o que ele diz. Ele engana a si mesmo, conseqüentemente, engana a ela também...

Os relacionamentos - que costumam governar o mundo - é que, às vezes, fodem com tudo. Tem muitos amigos, talvez os melhores. Tem idéia em quem pode confiar e em quem deve ficar de olho. Sua namorada é motivo de orgulho pessoal. Sabe que ela é, possivelmente, cobiçada por todos eles: amigos, inimigos e se bobear, até pelas amigas. É linda, simpática, batalhadora, além de uma legítima gostosa. Estão pensando em morar juntos, mas ele tem certeza quase absoluta de que não a ama. Está com ela por comodidade. Por puro egoísmo e medo de ficar sozinho. A carência é uma merda e homem nenhum consegue suportar isso. É mais fácil estar sofrendo nos braços de alguém... E a escolhida foi ela...

Ela sente-se amada. Ela acredita na união dos dois. Tem a certeza de que encontrou o amor da sua vida. Eles representam aquele casalzinho modelo que quase todo mundo inveja, mas ninguém admite. Ela faz das tripas ao coração por ele. Defende-o com unhas e dentes. Tem um puta orgulho daquele que acredita ser o SEU homem... Dúvidas com relação ao futuro? Ela até tem, mas são banais. Já as poucas dúvidas dele são aquelas essenciais. Aquelas que exigem respostas definidas e que norteiam a nossa vida – em direção ao sucesso ou ao fracasso - no que quer que seja.

Será que ele é tão injusto e cruel a ponto de levar algo tão sério adiante, pra depois desistir? Ele não parece ser um canalha ou um filho da puta insensível. Talvez ele apenas não saiba como dizer um lindo e sonoro, não! Do tipo: não, você não é a mulher da minha vida! Ou quem sabe ele realmente acredite e queira dar uma chance a esse relacionamento cômodo. Talvez seja uma boa hora pra ele abrir os olhos porque domínio de situação, definitivamente, ele não tem. Ele apenas acredita estar imune aos fatores e acontecimentos externos. Aqueles que independem da nossa vontade e que regem o mundo (para o bem ou para o mal). Como o amor, por exemplo. Aquele que ele ainda nem chegou a viver e corre o sério risco de um dia encontrar...

Controle, ele acha que tem. Infelizmente, ele não se deu conta de que este possível controle dele ainda vai ser o total descontrole de alguém. Provavelmente, o dela...

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Se ele morresse amanhã...

Mais uma sexta-feira. Eram 21h e ele ainda estava sem planos para o final de semana. Também estava sem saco para ter que pensar, pesar prós e contras (dos locais e respectivas companhias), efetivamente sair e misturar-se com outros seres tão solitários e esquecidos quanto ele. Merda. Vou ficar bem aqui no meu canto, onde me sinto gente e não mais um animal em busca de algo supérfluo. Vou ficar em casa mesmo...

Lembrou que aquela sua torre com mais de 200 CDs precisava ser reorganizada. Era um bom dia pra isso. Havia muito lixo musical, de uma época que já havia passado e não voltaria mais: nem no tempo, nem pela falta de paciência para recordar esse seu 'passado musical'. Esfregava aquele paninho fofo e laranja pra tirar o pó das caixinhas e recolocar todos os CDS em ordem alfabética, por gêneros. Era um tanto quanto metódico. Em outras palavras (e para os outros), era um tanto quanto chato.

Lá pelas tantas, cansou-se. Pegou uma garrafa de vinho em sua mini adega e partiu em direção ao sofá. Enquanto bebia (no gargalo mesmo) e inebriava sua mente, pensou: e se eu morresse amanhã? Não foi difícil pensar em sua epígrafe, ou melhor dizendo, nas palavras que selariam sua vida para sempre. Ele definiu-se assim:

Morreu tendo feito muito menos do que desejou. Teve tempo, quase 40 anos, pra fazer tudo aquilo que quis e sonhou, mas não teve coragem o suficiente pra fazer. Trabalhou muito, conseguiu guardar um tanto e em função disso, aproveitou muito pouco. Viu o tempo passar e não conseguiu (com seus atos e vontades) fazê-lo parar. Não investiu em seu próprio tempo, não investiu em sua própria vida... Foi uma criança feliz, quase sem amigos e retraída. Conseguiu manter-se assim. Foi um adolescente rebelde, daqueles sem causa. O 'cool' era dar uma de malvadão, mesmo sem se saber o porquê. Seguiu algumas modinhas e tendências. Foi levemente influenciado: por companhias, por drogas (i)lícitas, por gostos que não eram seus e crenças que não lhe condiziam. Trepou muito, mas amor fez pouco... E também fez pouco caso do amor. Foi amado pelos pais, familiares e os amigos que conseguiu manter e contar nos dedos das mãos; mas não soube o que era ser amado por qualquer pessoa fora do seu círculo de convivência. Foi um estranho em seu próprio ninho. Não casou, mas quis. Não teve filhos, mas sonhou com 3. Conheceu belas mulheres, e no entanto, teve vergonha de algumas. Preocupou-se mais com a quantidade delas e ficou sem nenhuma. Acreditou ter amado, pelo menos uma vez, mas como não sentiu-se amado, pulou fora. Sua vida pôde ser resumida em inícios, desistências, sobrevivência e o fim, próximo. Em seus últimos dias, entrou em crise, uma espécie de depressão profunda. Ele havia percebido que não tinha vivido a vida, somente sobrevivido à ela... Não tinha nada, nem ninguém e estava prestes a terminar seus dias. Seu maior medo, o de morrer sozinho, finalmente acontecia...

Não conseguiu continuar. Deu um basta em seus pensamentos. Não queria que sua vida realmente terminasse assim. Depois de quase 15 anos sem uma única palavra voltada a Deus, ele se ajoelhou e rezou: Ó Deus, não permita que eu morra amanhã, pois não encontro-me preparado... Só agora ele havia conseguido parar o tempo. Só agora ele tinha se dado conta de que apesar da sua vida ter sido um quase nada até ali, ela não precisaria terminar assim: como nada. Só agora ele percebeu que quase não tem mais tempo para conquistar algumas das coisas que mais quis... Ó Deus, dê a este homem, aquilo que ele mais precisa e quer: um pouco mais de tempo...

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Cama de casal

Ela já estava cansada da sua velha cama de solteiro. Estava numa fase decisiva em sua vida. Depois de 10 anos acordando às 5h, tinha sido promovida. Iria começar a entrar no serviço às 13h. Finalmente iria poder dormir e acordar tarde, mas a cama já não corresponderia a essa nova fase. Mais liberdade para braços e pernas. Espreguiçadas nada contidas, resultado de um sono tranqüilo – ela esperava! Queria uma cama maior, bem maior. Com 33 anos na cara, já estava mais do que na hora de ela se dar uma de presente. Uma de casal, ela considerou.

Ela precisa de espaço. Muito. Chega de virar para o lado e quase cair. Chega de virar para o lado e realmente cair. Não tem mais idade e muito menos lugar no corpo para acrescentar outro roxão indecente, fruto de outra noite mal dormida. Já não tem nem mais tamanho para se equilibrar numa cama estreita. Quer espaço e quem sabe, num dia frio, compartilhar uma das metades da cama com o seu affair, o novo estagiário. Uma cama de casal, ela decidiu. Já na loja, foi bombardeada por perguntas:

- A Sra. tem alguma preferência? Cama de casal em madeira ou um Box? Queen ou King size? Temos vários modelos...

O vendedor continuava a falar e a explicar, mas ela já não prestava atenção. Não se conformava com aquele 'Sra'. Não tá vendo que eu não tenho aliança? A única preferência que eu tenho é que você pare de me chamar de senhora, pois sou solteira e só quero uma maldita cama de casal. Qual o problema? Não interessa se é Box, madeira, Queen ou King size! Interrompeu o vendedor e disse:

- Eu não sou casada, mas queria uma cama simples, grande e barata. Tem alguma assim? Só isso. Ah, e o colchão, lógico. Porra, essas coisas deveriam ser mais simples e menos embaraçosas, pensou antes de finalmente escolher.

A cama seria entregue dali a dois dias, mas ela não quis esperar. Levou a cama desmontada mesmo e o colchão pegaria no dia seguinte. Estava ansiosa demais, tinha limpado todo seu quarto só pra conseguir fazer com que a cama entrasse. Tudo bem que seus pais (sim, ela ainda morava com eles) iriam questionar essa mudança radical, afinal de contas, ela não é casada. Mas ela estava disposta a explicar aos dois, pacientemente, o porquê aquela cama maior era importante e o que ela representava em sua vida. É uma nova vida!

Passou horas, horas e horas tentando entender os malditos desenhos das instruções. Não conseguia juntar as ripas pesadas, não sabia diferenciar uma ferramenta da outra, nem o que deveria usar para parafusar os cantos. Queria tanto aquela cama que acabou não dando conta do recado. Não podia pedir ao pai, pois ele já passava dos 70 anos e tinha um problema na coluna. Estava exausta e já passava das 2h. Arrependeu-se amargamente de não ter comprado o Box, por não ter ouvido o vendedor. No dia da grande mudança em sua vida, depois de tanta expectativa, teve que se contentar em dormir no seu velho colchão de solteiro, no chão, sem cama nova, muito menos a velha.