sábado, 28 de fevereiro de 2009

Beba!

Tomara que ele não venha hoje. Tomara que ele não venha hoje. Calma. Ela não estava querendo evitar um carinha mala qualquer. O problema não era o cara. Aliás, ele era ótimo. Inteligente, carinhoso e de riso fácil. O problema era que, além de estar numa baladinha que odiava, ela estava com uma cólica terrível. Sabia que não seria a melhor companhia aquela noite. Deixou de beber porque achou que pioraria a dor. Quase não falou, mas sorria ao ouvir as histórias de seus amigos. Foi uma boa ouvinte. Mas, cedo ou tarde, ele chegou. Merda! E apesar de todo o esforço dela para ser simpática e querida, ele percebeu que tinha algo errado...

- O que você tem, hein? Tá meio quieta, distante...
Ela não tinha o porquê mentir. O problema não era ele. Era puramente fisiológico.
- Desculpe, é que eu estou com uma cólica gigantesca. A dor tá insuportável...
- Você está bebendo?
- Não, achei que poderia piorar, sei lá...
- Hum, você devia ter bebido algo...
Ela não soube dizer se ele estava falando sério ou se era brincadeira. Ele insistiu.
- É sério! Não é a melhor solução, mas já que não temos analgésicos... O álcool ajuda a anestesiar a musculatura lisa que é...
- Ah, que ótimo! Eu sofrendo enquanto uma cervejinha ou uma dose cavalar de vodca aliviaria toda a minha dor? Por que você não me disse isso antes?
- Como eu iria saber? Você também não perguntou!
- Ah, tá...

Ele riu e foram os dois em direção ao bar. Ela sorriu de volta ao lembrar que ele era farmacêutico. É claro que ele sabe o que está falando. Não havia razão para não seguir aquela recomendação. Isso aconteceu há 10 anos quando ela era jovenzinha o suficiente, mas foi um belo conselho. Atualmente, eles já não têm mais contato direto, mas ele ficou marcado. Não como o cara que estava tentando embebedá-la para, com sorte, levá-la pra cama. Mas sim como o 'cara que pagou um drinque simplesmente para livrá-la de uma cólica'. Quer atenção maior que essa? Por sorte, ele resolveu aparecer aquela noite...

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Ritual

Cama de casal só pra mim? Pode ser interessante, ela pensou antes de deitar. Pegou o travesseiro dele e abraçou junto ao corpo. Ainda era possível sentir o cheirinho de maracujá. Fechou os olhos e já sentiu a falta. Dele. Foi se arrastando de leve para o outro lado da cama como se ele estivesse ali para escorá-la. Mas ele não estava. Só voltaria de viagem dali 3 dias. O lençol estava gelado e ela não parava de se arrastar de um lado para o outro. Não conseguia sossegar e achar uma posição confortável. Precisava que seu espaço fosse delimitado. Precisava sentir o calor do corpo dele. O mínimo contato para conseguir dormir. "Só eu mesmo pra te aguentar!", ele costuma dizer. Mas quando o assunto é dormir realmente ela não é fácil. É pior que criança. Às vezes tem pesadelos e acorda assustada. Sofre de insônia quando está estressada ou ansiosa. Geralmente é vencida pelo próprio cansaço ou pela sessão vigorosa de sexo de quase todo dia...
O que diabos eu vou fazer pra dormir? Levantou-se e começou a andar de um lado para o outro. Ficou tão aflita que acabou batendo o dedinho do pé na quina da cama. A dor e a raiva foram tantas que ela não conseguiu nem gritar. Lágrimas escorriam sem parar e ela jogou-se, diagonalmente, na cama. Olhou para o teto e esperou. Sabia que só iria apagar vencida pelo cansaço... Na noite seguinte, encostou a cama contra a parede. Deitou-se bem junto a ela e com o travesseiro dele entre os braços. A parede era gelada e dura demais. Colocou algumas almofadas para amenizar, mas foi inútil. Olhou novamente para o teto pensando em como aquilo era absurdo. Passei mais de 20 anos da minha vida dormindo e acordando sozinha todo santo dia... E agora, não consigo mais?
Na última noite forrou o meio da cama com almofadas e travesseiros extras. Quase teve um sono agradável. De tanto se mexer acabou deitando por cima de todo aquele monte e acordou toda desconjuntada. Ela tentou, mas já não sabia mais dormir sem ele. Sem um abraço ou dedos alisando as suas costas. Ou aquela mão pesada em sua barriga. Ou sem a briga desigual pelas cobertas quando está frio. Ou por quererem distância um do outro quando está calor. Por se aproximarem sobremaneira quando estão os dois com calor e excitados. A mesma aproximação acontece no frio. Cutucá-lo no meio da noite para que não ronque é quase um ritual. Assim como a respiração quente dele em sua nuca ou ouvido. Ou como ele canta para ela dormir. Ou inventa histórias para que ela não consiga lembrar no dia seguinte...
Essa noite ele vai voltar. Ela preparou um chá e sentou-se no sofá para esperá-lo. Seus olhos pesavam e suas olheiras refletiam o resultado de 3 noites mal dormidas. Ele chegou e olhou para ela assustado. Ela sabia que estava parecendo um zumbi, mas ele tinha noção do porquê. Não era preciso perguntar. Foi até ele, puxou-o pelo braço e fez com que ele se deitasse com ela na cama. De conchinha. Antes de fechar os olhos disse:
- A próxima vez eu vou junto com você. Ou você não viaja. Ou ao menos, me dê um cachorro que possa dormir ao meu lado. Ou aos meus pés. Considere alguma dessas hipóteses. Ou pense em outras. Mas, por favor... Me ajude a dormir...

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Almost there!

Hoje o dia foi estranho, mas o estranho - às vezes - até que cai bem. Acordei às 7h para o meu teacher training às 9h. Tenho acordado sem a ajuda do despertador em função da minha ansiedade e medo de perder a hora. Ter responsabilidade funciona que é uma beleza nesse caso. Passo 3 horas observando os outros teachers, gritando e gesticulando feito um bando de condenados. Não tem como escapar. Tem que dar a carinha pra bater. Palhaçada pura. E o mais legal: em outra língua. Mais dinamismo, pessoal. Mais rápido, mais alto. Vocês são os regentes! E funciona assim: Eu falo, você repete. Eu falo, você repete. Eu falo, você repete. Falar e repetir insistentemente por 1 hora. É bem fácil... Cheguei em casa exausta só de imaginar que estou - momentaneamente - disposta a 'gastar' 8 horas ou mais do meu dia assim. Mas por enquanto, vamos apenas focar no treinamento.
Depois do meio dia, o sono habitual vem com toda força, mas dormir no meio da tarde está fora de questão. Além do mais eu não sei cochilar 15 minutinhos. Eu só sei dormir algumas horinhas. E isso compromete a qualidade e o grau da minha insônia mais tarde. Já a partir das 14h me vejo obrigada a tomar copos e mais copos de café para me manter acordada. Bendito café, mas a azia é totalmente dispensável. De qualquer forma sobrevivi: escrevi e pensei besteiras, conversei um pouco, ouvi músicas, li alguns blogs com verdadeiras pérolas do orkut (juro que não sei se dou risada ou se choro com tanta cretinice junta). Tomei banho e fiquei cheirosinha para eu, eu mesma e eu... De novo.
Hoje não é dia de sair? É sim, mas você não tem dinheiro. Então sossega o facho! A única alternativa é tomar a cervejinha em casa mesmo. O macarrão que eu fiz virou papa e só eu vou comer. Lógico. Sem molho porque não tem. Será que dá pra enganar com catchup e muito queijo ralado? Ai que delícia: adoro dormir com fome. Aí vou lembrar que amanhã já é carnaval e as pessoas vão aproveitar a 'folia'. Ah, fuck it! Não sejamos tão ingênuos, as pessoas vão aproveitar o início da putaria. 5 dias assim até tudo voltar ao normal. E pensar que a única coisa (mentira, mas finge que acredita, tá) que eu queria era ir pra praia e poder deixar meus passinhos na areia, pegar um solzinho e congelar o meu corpinho no azul do mar... Me sentindo linda, leve e solta porque afinal de contas a vida só começa depois do carnaval...

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Pensamento de uma vida

É engraçado pensar nas recordações que as pessoas costumam carregar relacionadas à infância. Eu, por exemplo, lembro de ter 8 anos e ficar com medo de não ter alguém em quem eu pudesse me apoiar (não emocionalmente e todos os 'entes' possíveis). Lógico que eu nem sabia o que era isso. O apoiar é no sentido de estar junto. Ou seja, naquela época eu devia estar mais preocupada em ter alguém para simplesmente brincar comigo. E só comigo, se fosse a nossa vontade (pois as crianças também podem ser más e cortar as outras das brincadeiras). Na minha cabeça meio precoce - eu imagino - as coisas funcionavam bem assim: o papai tinha a mamãe. O meu irmão mais velho tinha o irmão mais novo. Na sequência, eu. E depois de mim, vieram as gêmeas. Ou seja, quem ficou sem par na brincadeira da minha família fui eu. Até os cachorros tinham um ao outro. Mas eu, com 8 anos de idade não tinha ninguém. Acho que esse medo permaneceu comigo mesmo que em estado latente e eu acabei me isolando em várias situações ao longo da vida. O pai e a mãe continuam juntos. Os irmãos casaram. Cada um tem sua esposa. E o casal de sobrinhos (tem um ao outro, vejam só). E as irmãs continuam solteiras, mas elas têm uma à outra. E eu? Já quando criança não tinha par. E agora, depois de velha, continuo sem par. Não quero morrer sozinha e desamparada. Será que a nóia de criança cresceu e virou uma puta nóia de adulto? Só pode e eu continuo com medo. Talvez por isso o meu desejo de ser mãe seja enorme. Pelo menos teria alguém pra mim... Faz sentido?

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Quando...

Amanhã completo 77 anos. Há 1 ano fiquei viúvo. Só Deus sabe o quanto eu sinto falta da minha polaca. Não sei como ainda não perdi a noção do tempo, pois os dias depois de uma certa idade parecem todos iguais. Não existe mais novidade, não tenho mais ao meu lado a pessoa que fazia a diferença. Rezo todos os dias para o fim dos meus dias. Já vivi o suficiente, já vi muita coisa, ainda guardo na memória os momentos e pessoas que fizeram a nossa vida valer a pena. Claro que muita coisa já se perdeu aqui dentro, mas a idade e o passar dos anos também passam a ser cruéis com as melhores lembranças...
Há 2 meses saí do apartamentinho onde morei nos últimos 50 anos. Vou passar o resto dos meus dias sendo cuidado por minhas 3 filhas. Todas casadas e com filhos. A cada 6 meses, vou para a casa de uma delas. Vida nômade depois de velho. Pode ser interessante. É o que eu digo para me conformar já que elas não me deixariam sozinho. Hoje entreguei - modo de dizer, pois a decisão partiu das minhas filhas - o meu antigo apartamento a um jovem casal. O apartamento já estava vazio, sem os móveis e objetos de outros tempos. Não se parece mais com o aconchego daquele que foi o meu lar. É estranho... Como se fosse um lugar que eu não deveria lembrar ou que não fizesse parte da minha história pessoal, mas que ainda assim permanece na memória.
Enquanto a minha hora não vem sigo trabalhando. Não com a mesma intensidade e disposição de antes, mas pelo menos assim me sinto útil. Hoje sou empacotador num supermercado da região. Tenho colegas com a mesma idade. Somos poucos, mas ao menos o nosso medo é compartilhado. O mundo hoje é muito rápido e incerto. É assustador e é exatamente por isso que eu preciso me ocupar. O trabalho é mecânico e não ajuda muito a desanuviar, mas quando os clientes pedem ajuda ou informação eu preciso raciocinar rápido. Tão rápido que, às vezes, eu me perco em minhas idéias. Olho para os clientes e eles devem pensar "que tolice perguntar algo a um velho esclerosado". Ah, mas eu nem ligo... Minha filha mais nova reclama. Diz que eu não deveria e nem precisava me sujeitar ao trabalho depois de tanto tempo. Agora estou com ela e meus 3 netos mais novos. Nos meus momentos de folga (trabalho 3X por semana) gosto de remanejar o jardim dela. Tem flores lindas. Dou um auxílio ao jardineiro já que podar está fora de cogitação. Meus dedos não aguentam. Meus netos vivem brincando por ali. Acabam destruindo as flores mesmo que sem querer. Também gosto de observá-los. Na rua, em casa, no jardim, na frente daquela máquina que só mostra barbaridade. Videogame? Computador? Já não sei qual é o mais atual...
O diálogo com as filhas já é difícil. Com os netos é pior ainda. Muitas gírias e termos que não existiam na minha época. Parece uma outra língua... É muita mudança e modernidade pra minha cabeça secular, mas são garotos felizes e privilegiados. O mais velho gosta (aposto que a mãe dele o obriga) de caminhar comigo. Minha filha está certa em preocupar-se, mas ao mesmo tempo, o que poderiam querer roubar de um velhote como eu? Tanta coisa que eu já não entendo... Tenho quase 77 anos e agora espero minha hora chegar. Já não tenho medo. Fui muito feliz, aproveitei o que me foi permitido. A morte que não me erre a porta (não sei onde estarei quando ela chegar). Sei que a polaca já está a minha espera.
Vivo e caminho firme como se a cada esquina eu pudesse dar de cara com a morte. Seria um belo encontro e ela não me pegaria totalmente desprevinido. Se bem que preferia morrer dormindo... Já acordaria no paraíso ao lado da minha polaca.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Cuido sim...

Seu psicólogo me ligou ontem querendo conversar. Quase tive um infarto ao imaginar que alguma coisa pudesse ter te acontecido, mas ele disse que você está bem. Hoje fui lá e ele me entregou uma carta. Pelo que entendi era um exercício e ele pediu que você a escrevesse justamente com a intenção de me entregar. Não quis ler na frente dele. Enquanto caminhava rumo ao escritório tentava adivinhar o conteúdo daquele envelope. A curiosidade era enorme, mas o medo ainda era maior... Estou no meu cubículo e acabei de lê-la. Não queria responder agora, no calor do momento, mas ao mesmo tempo não quero deixar os pensamentos e as respostas irem embora ou perderem força. Sempre senti um puta orgulho de você e das coisas que você escreve. Você sempre foi tão boa com as palavras, mas estas - carregando suas dúvidas e medos - só ajudaram a me estraçalhar ainda mais por dentro.
Minha vontade agora era a de estar bem aí do seu lado compartilhando da sua dor e vivendo a nossa vida. Mas isso só faria com que o seu sofrimento, suas incertezas e medos aumentassem. Eu estaria de corpo presente, mas minha cabeça continuaria presa no labirinto em que eu mesmo criei e me perdi. Sozinho... E você continuaria se sentindo culpada quando na verdade você é a vítima. Falhei miseravelmente quando você mais precisou e ainda precisa, mas te olhar virou um suplício. Porra, eu já me sentia tão culpado pelo acidente, pelo motivo besta com o qual te questionei, por não ter entendido o seu afastamento, pela sua dependência de mim. A cada cirurgia sua fui perdendo a fé no homem que eu acreditava ser... Sinto uma dor excruciante por ter sido o responsável por toda essa merdarada que está acontecendo com você. Eu é que deveria estar sendo remendado, costurado e o caralho a quatro. Não você! A minha vergonha era e ainda é tanta que eu não aguentei mais olhar nos seus olhos - sempre tão compreensivos - e dar de cara com o homem de merda que eu me tornei. Não que você me veja dessa forma, mas foi como eu passei a me enxergar. Justamente nos olhos da minha mulher...
Não sei o porquê saí de casa. Covardia? Culpa? Me senti tão pequeno. Não vi outra saída e ao tentar facilitar as coisas dificultei ainda mais. Não pensei que você fosse se sentir assim tão abandonada e descrente. Imaginei, estupidamente, que o afastamento fosse nos beneficiar de alguma forma. Mas é lógico que iria voltar. Errei ao decidir isso sozinho, errei ao pensar que você não poderia me ajudar. Errei porque deixei de me comunicar com você quando a conversa poderia ter facilitado todos os nossos tormentos...
Sinto tanto a sua falta... Queria poder deitar no seu colo e esquecer de mim e de tudo enquanto você mexe no meu cabelo. Ouvir e fingir que entendo suas neuras e rir por dentro em função delas. Gosto de te ver cantar fora do ritmo e desafinada quando está feliz. Te ajudar - ficando acordado - em suas crises de insônia. Fazer compras no supermercado enquanto você coloca 1, 2, 3 barras de chocolates, 1 ou 2 pacotes de balas no carrinho imaginando que eu não perceba. Sentir aquele friozinho na barriga ao olhar para sua cara emburrada e ter a certeza de que eu fiz alguma cagada. Observar você fazendo palavras cruzadas antes de apagar a luz pra tentar dormir. Ou da sua concentração sobrenatural quando está lendo um livro ou filme que goste muito. Decora falas, repete-as pra mim. Sinto falta das suas demonstrações de carinho gratuitas depois de um dia infernal de trabalho. Da forma como prepara o meu banho, da forma como cuida de mim. Dos seus beijos na minha testa, no meu queixo, nas bochechas e orelhas... Aliás, sinto falta de você inteira. Do seu calor, das suas mãos delicadas, do seu corpo que me enlouquece. Te amo tanto... Mesmo que nem sempre consiga demonstrar... É claro que eu vou cuidar de você, amor. Mas antes preciso voltar a acreditar em mim. Me ajuda?
Eu voltei. Estou aqui na sua frente, de joelhos, enquanto você lê essa minha resposta e chora compulsivamente... Quero te abraçar, te beijar e conversar sobre a gente. Meu medo, meu único medo é perder aquilo que eu tenho de melhor e que é justamente você... Me perdoa? Quero me sentir completo novamente, mas isso é impossível sem estar ao seu lado...

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Cuida bem de mim?

Ainda não acredito que você levou embora o laptop (que também é meu). Agora eu preciso escrever minhas matérias, textos, lembranças e o escambau a quatro tudo a mão! O pior tem sido recordar. O choro vem rapidinho e eu desisto das lembranças. Às vezes parece melhor esquecer, mas o psicólogo disse que me ajudaria. Não só a minha recuperação, mas também a entender o que acontece com a gente. Em função do acidente eu acabei quebrando as pernas e você saiu ileso. Não consigo nem lembrar o maldito porquê daquela discussão. Foi apenas um desvio de olhar e pronto. Hoje já faz uma semana desde a minha última cirurgia. Uma semana que eu estou deitada na nossa cama sem poder levantar pra quase nada. A Valéria às vezes me coloca na janela. " É bom pegar um solzinho. Vai levantar o astral da senhora". Engraçado como ela tem razão. O movimento na rua é incessante. O mundo acontece lá fora e eu esqueço de mim. Tenho tanto a observar...
A Valéria tem sido um anjo na minha vida. Tem me trazido muitos filmes da locadora. Assisti a todos os lançamentos. Revi boa parte das minhas séries preferidas. Já me sinto tão alienada que até às novelas eu me rendi. Justo eu que odeio televisão. Não parece, mas o acidente já tem 2 meses e meio e você saiu de casa a apenas um. Não me aguentou. A minha maldita crise da meia idade também veio em péssima hora. Justo agora que eu estava totalmente dependente de você. Pra tudo. Até tomar banho. Nunca tinha me sentido assim: tão inútil. Tô com tanta raiva de mim e de tudo que o processo de recuperação deve demorar mais ainda em função daquilo que está preso e me corroendo por dentro. É muita mágoa... Estou tentando - com o que resta das minhas forças - não enlouquecer. Mas não sei até quando eu vou aguentar. Faz 5 dias que você já não aparece aqui. Deve estar precisando de roupas já que não levou quase nada. Seus projetos e papéis continuam em cima da mesa no escritório. Pedi pra Valéria não mexer em nada. Minha mãe tem vindo aqui ajudar dia sim, dia não. Não sei quem dá mais trabalho: se é ela ou eu. Sua mãe também tem ligado. Quer saber de você, mas eu não tenho idéia do que responder. Ela não sabe que você está na sua irmã? De qualquer forma, você não me ligou mais... Não procura saber como eu estou... Me sinto abandonada à própria sorte. Ou azar.
Não sei se é a fase que a gente está. Não sei o porquê tudo desandou. Da minha chatice você já estava vacinado há tempos. Monotonia? Desgaste natural da relação? Isso é tudo muito modernoso pra mim. Não entendo e a minha cabeça deu um nó. Nada faz sentido e eu me sinto uma idiota por ser a única a insistir na gente... Não queria brigar, nem gritar, nem xingar você... Sinto falta da sua paciência. Queria um pouco dela pra mim. Queria seus cuidados... A sua companhia... E agora preciso escrever pra que você saiba aquilo que eu penso ou quero. Na verdade esse desabafo nem é pra você. Sabe-se lá o que o Dr. César vai dizer de tudo isso...
Eu só queria conversar com você, rir, beber, ouvir seus problemas, compartilhar os meus. Discutir nossos planos, os seus, os meus... Como era antigamente... Cuida bem de mim? foi o que te perguntei quando a gente entrou aqui pela primeira vez: no auge da nossa vidinha de recém-casados... Não tinha sido uma simples pergunta. Tinha sido um pedido sincero. Pedido esse que você não soube atender...

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Como se fosse a última vez...

Ele finalmente foi promovido. Além disso, vai poder escolher o país que pretende desbravar e continuar o seu trabalho. Tem como opções a Polônia, os Estados Unidos, o Peru e até os Emirados Árabes... Mas não é com o local que ele está preocupado agora. É com ela. Ela passou meses desempregada e justo agora que estava trabalhando em algo que gostava, ele ia estragar tudo. Pra ela. Ou para os dois. Não tem como não dar merda, ele pensava. Deitado no sofá e bebendo até neutralizar suas dúvidas, ele a esperava.
Ela vai entender. É compreensiva como ninguém. Sempre me apoiou. Ela vai largar tudo pra ir comigo. Eu sei que vai! Entre um gole e outro, a certeza de segundos atrás, descia amarga goela abaixo. Puta que pariu! Ela não vai entender. Vai dizer que estou sendo egoísta e que só penso em mim. Vai querer ficar aqui, trabalhar nas exposições e ela ainda pode crescer tanto! Nosso canto já está quase com a nossa cara. Ela não vai querer trocar o certo pelo duvidoso! É tão cagona quanto eu...
A promoção veio antes da hora. Só Deus sabe o quanto ele veio se esforçando pra isso ao longo dos últimos 2 anos. Agora ele tem a oportunidade de assumir um cargo de chefia em alguma das filiais espalhadas pelos quatro cantos do mundo. Passaria 3 anos longe de casa... Não parece, mas é muito tempo. Ela não precisaria ir já, poderia se acostumar com a idéia antes. E depois, não deve ser tão complicado ela encontrar algum trabalho. Dependente minha eu sei que ela não vai querer ficar. É orgulhosa demais pra isso...
Quanto mais pensava, mais deprimido ficava. Nenhuma saída parecia fácil. Essa porra de vodka nem pra me apagar ou me ajudar! Já não queria que ela chegasse logo. Não sem antes ter noção do que dizer, de como dizer e do que fazer. Longe um do outro não teria razão de ser e continuar. Não seria justo pra mim, muito menos pra ela... E eu trabalhei tanto pra isso. Não posso simplesmente fechar os olhos para a chance de uma vida. Mas como deixar a mulher que amo pra trás? Continuava deitado, pensando, quando ouviu o barulho da chave na fechadura. Ela mal abriu a porta, viu ele deitado e já entrou toda animada com aquele sorriso certeiro no rosto...
- Bb, você não vai acreditar no que a cliente número 1 me disse hoje...
Ele a interrompe.
- Não, pequena. Quem não vai acreditar no que aconteceu hoje é você...
Ela olhou pra ele assustada. Sabe que aqueles olhos lindos que ele tem não sabem esconder nada. O medo dele se instalou de vez enquanto ele a abraçava forte. Como se fosse a última vez. Lágrimas começaram a escorrer sem parar e ele já soluçava que nem criança pequena. Não imaginava que todo sonho a ser concretizado carregaria um pedacinho - minúsculo ou gigante - do inferno junto...

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Desejo insano

Era uma sexta-feira a noite e eles não quiseram sair. A semana já tinha sido regada a jantares com amigos, happy hours e eles estavam quebrados. Assistiam a um filme de aventura onde o mapa da mina deve estar localizado no inferno, ela pensava. Já não aguentava mais tanta cretinice. Virou para ele e disse:

- Amor, preciso de chocolate...
- Agora não é hora, pequena! Vai perder a melhor parte!
- Melhor parte do que, meu Deus?

Ele não respondeu. Olhava fixadamente a TV como se aquele fosse o melhor filme do mundo. Ela esperou 2 minutos e saiu batendo o pé em direção a cozinha. Nem precisou acender a luz. Abriu a geladeira e seus olhos brilharam ao olhar o conteúdo da gaveta de verduras (que de verduras não tinha nada). A gaveta era forrada por barras de chocolates, bombons, caramelos, balas 7 belos, balas de iogurte, mentos de todas as cores e sabores, chicletes e todas aquelas guloseimas que toda criança adora. Ela diz que a gaveta existe para os sobrinhos. É bom estar prevenida, caso eles apareçam. De joelhos no chão, revirava a gaveta em busca do "melhor chocolate para aquele momento". Abriu um pacotinho de M&M's azul, olhou a validade e a 'composição' dos mesmos e jurou a si mesma que: assim que o estoque acabasse a gaveta voltaria a abrigar todas aquelas verdurinhas verdinhas, laranjinhas, amarelinhas, roxinhas e vermelhinhas que ela nem sabia os nomes direito. Sua promessa foi interrompida pelo clarão da luz da cozinha. Ele apareceu indignado.

- O que diabos você está fazendo?
- Comendo chocolate, oras. Eu disse que precisava...
- Amor, são quase 2 da manhã! Tem idéia de onde esse chocolate todo vai parar?

Ela levantou mais indignada que ele e com a boca cheia de M&M's respondeu:
- Sei, sim senhor! Vai parar tudo bem aqui na minha bunda! Exatamente onde eu quero e preciso, ó! E apertou-a com força e sem dó.
Ele ficou mudo diante da resposta inesperada. Ela voltou a ficar de joelhos e pegou o saquinho de M&M's que estava comendo quando ele a interrompeu. Ele aproximou-se a ajoelhou-se ao lado dela.

- Posso comer um?
- Não, não pode! Tem idéia de onde vai parar? Nhé, nhé, nhé!
- Desculpe. Eu sei que você é tarada por açúcar e é isso que te acalma algumas vezes. Enquanto você continuar esse palito, tudo bem. Coma todos os chocolates do mundo. Não vou mais reclamar...
- Mesmo? E se eu virar uma baleia assassina? Você ainda vai me amar?
- Não sei, mas antes que isso aconteça, a gente vai caprichando nos exercícios...
- Exercícios? De que tipo?
- Do tipo que os adultos fazem e você bem que está precisando... Além do mais, aquele filme é uma merda e eu prefiro gastar todo o meu tempinho com você...

Ele fechou a gaveta. Levantou-a pela mão e fechou a geladeira.
- Precisa de mais alguma coisa, madame?
- Um copo d'água... Pode?
- Pode sim...

Enquanto ele a puxava rumo ao quarto, o restante dos M&M's ia derretendo em sua boca. Sorria sozinha e de puro prazer. E pensar que agora viriam os exercícios...