segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Se ele morresse amanhã...

Mais uma sexta-feira. Eram 21h e ele ainda estava sem planos para o final de semana. Também estava sem saco para ter que pensar, pesar prós e contras (dos locais e respectivas companhias), efetivamente sair e misturar-se com outros seres tão solitários e esquecidos quanto ele. Merda. Vou ficar bem aqui no meu canto, onde me sinto gente e não mais um animal em busca de algo supérfluo. Vou ficar em casa mesmo...

Lembrou que aquela sua torre com mais de 200 CDs precisava ser reorganizada. Era um bom dia pra isso. Havia muito lixo musical, de uma época que já havia passado e não voltaria mais: nem no tempo, nem pela falta de paciência para recordar esse seu 'passado musical'. Esfregava aquele paninho fofo e laranja pra tirar o pó das caixinhas e recolocar todos os CDS em ordem alfabética, por gêneros. Era um tanto quanto metódico. Em outras palavras (e para os outros), era um tanto quanto chato.

Lá pelas tantas, cansou-se. Pegou uma garrafa de vinho em sua mini adega e partiu em direção ao sofá. Enquanto bebia (no gargalo mesmo) e inebriava sua mente, pensou: e se eu morresse amanhã? Não foi difícil pensar em sua epígrafe, ou melhor dizendo, nas palavras que selariam sua vida para sempre. Ele definiu-se assim:

Morreu tendo feito muito menos do que desejou. Teve tempo, quase 40 anos, pra fazer tudo aquilo que quis e sonhou, mas não teve coragem o suficiente pra fazer. Trabalhou muito, conseguiu guardar um tanto e em função disso, aproveitou muito pouco. Viu o tempo passar e não conseguiu (com seus atos e vontades) fazê-lo parar. Não investiu em seu próprio tempo, não investiu em sua própria vida... Foi uma criança feliz, quase sem amigos e retraída. Conseguiu manter-se assim. Foi um adolescente rebelde, daqueles sem causa. O 'cool' era dar uma de malvadão, mesmo sem se saber o porquê. Seguiu algumas modinhas e tendências. Foi levemente influenciado: por companhias, por drogas (i)lícitas, por gostos que não eram seus e crenças que não lhe condiziam. Trepou muito, mas amor fez pouco... E também fez pouco caso do amor. Foi amado pelos pais, familiares e os amigos que conseguiu manter e contar nos dedos das mãos; mas não soube o que era ser amado por qualquer pessoa fora do seu círculo de convivência. Foi um estranho em seu próprio ninho. Não casou, mas quis. Não teve filhos, mas sonhou com 3. Conheceu belas mulheres, e no entanto, teve vergonha de algumas. Preocupou-se mais com a quantidade delas e ficou sem nenhuma. Acreditou ter amado, pelo menos uma vez, mas como não sentiu-se amado, pulou fora. Sua vida pôde ser resumida em inícios, desistências, sobrevivência e o fim, próximo. Em seus últimos dias, entrou em crise, uma espécie de depressão profunda. Ele havia percebido que não tinha vivido a vida, somente sobrevivido à ela... Não tinha nada, nem ninguém e estava prestes a terminar seus dias. Seu maior medo, o de morrer sozinho, finalmente acontecia...

Não conseguiu continuar. Deu um basta em seus pensamentos. Não queria que sua vida realmente terminasse assim. Depois de quase 15 anos sem uma única palavra voltada a Deus, ele se ajoelhou e rezou: Ó Deus, não permita que eu morra amanhã, pois não encontro-me preparado... Só agora ele havia conseguido parar o tempo. Só agora ele tinha se dado conta de que apesar da sua vida ter sido um quase nada até ali, ela não precisaria terminar assim: como nada. Só agora ele percebeu que quase não tem mais tempo para conquistar algumas das coisas que mais quis... Ó Deus, dê a este homem, aquilo que ele mais precisa e quer: um pouco mais de tempo...

Nenhum comentário: