sexta-feira, 15 de agosto de 2008

O momento apropriado...

Hoje é o dia...
Ela está com medo. Muito medo do que vai acontecer nessa noite. Ele ainda não chegou em casa e a espera por ele será tensa. Está pensando em fritar um ovo. Pega-o na geladeira e o óleo no armário suspenso, perto do fogão. Fica tranquila. Converse com ele, não faça acusações em função dos seus malditos medos. Ele estava pra chegar e uma briga iria acontecer. Ele mesmo já estava ciente disso, pois o dia já havia amanhecido diferente, sem cor, sem diálogo... Já não era mais possível adiar o inevitável: mais um bate-boca infernal. Fato a ser consumado dali a poucas horas, se bobear, em alguns minutos...

Seu estômago embrulhava: de fome e de nervosismo. Ele sempre era o responsável pela refeição de ambos, já que ela mal sabia o que fazer numa cozinha. Ele era praticamente um chef: cozinhava e inventava pratos como ninguém. Um fio de óleo depois e ela imaginava o que ele poderia fazer pra saciar a fome que ela costumava sentir depois de um dia de trabalho pesado. Qual terá sido a última vez que ele fez aquele penne ao molho de melão e presunto de Parma maravilhoso? Na última visita de seus pais? Ou em alguma comemoração? Desajeitadamente, jogou o ovo (no óleo já borbulhante) e acabou por queimar a mão. Merda! Presta atenção no que faz, mulher! Ela mexia com uma mão, enquanto sua língua aliviava a queimadura da outra. Nada dele chegar...

Desligou o fogão, pôs a frigideira ao lado e ligou a torneira pra esfriar a mão queimada e melecada. Ele não vai me entender. Quase nunca entende. Pelo menos não ultimamente. Só sabe jogar meus medos e inseguranças na minha cara. Pegou a frigideira, a colher de pau e sentou no balcão da cozinha a esperá-lo. Ele odeia que eu coma qualquer coisa diretamente da panela, mas quer saber? Ele não está aqui mesmo e vamos brigar de qualquer forma, então...what the hell!

Entre uma colherada e outra, relembrava tudo o que de bom tinha acontecido em suas vidas. Não eram casados, mas era como se fossem. Estavam juntos há quase 5 anos e dividir o mesmo teto parecia algo natural. Fazia apenas um ano que compartilhavam deste mesmo espaço físico. Um loft amplo, bem localizado e com a cara dos dois: cheio das modernidades tecnológicas dele aliado às quinquilharias rústicas dela. Tinham diferenças gritantes, mas no geral, se davam muito bem.

Se ao menos ele tranquilizasse os meus medos e aflições, como ele fazia antigamente, mas ele não tem tempo pra mais nada! Parece que não se importa comigo, nem com ele, nem com o que é nosso. Na última briga não conseguimos nem fazer as pazes direito, pelo amor de Deus! As pazes era feitas na cama. Ou a caminho dela. Sempre. Ela sempre conseguia fuzilá-lo com os olhos e as palavras duras, enquanto ele rebatia furiosamente suas acusações infundadas - dignas de uma louca. Um sempre queria falar mais alto que o outro e a medida que se xingavam, soltavam injúrias já sem (ou com) sentido, iam se aproximando. Cada vez mais. Ela ficava louca, pois sabia que era provocação dele e ela não ia resistir. Pouco importavam os móveis novos ou as roupas (des)alinhadas, pois não tinham nada de muito valor... Sempre se atracavam no meio da sala ou no balcão da cozinha ou na mesa de jantar, no chão, não importava. O momento de fazer as pazes é que fazia toda discussão besta valer a pena...

Já tinha terminado seu mísero jantar e estava lavando a louça. Quase meia hora depois de toda sua angústia e suas lembranças, ouve um barulho na fechadura. A porta pesada e de arrastar se abre. Ele chegou. (continua...)

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