quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Quando a chuva cai...

Hoje ela conseguiu acordar mais cedo que o habitual. Também pudera: é seu aniversário. Abriu as janelas com pressa na expectativa de ver o que o céu preparava para aquele dia. Não parece que vai chover, pensou ao olhar para o alto. Os últimos anos foram comemorados com muita ou pouca chuva. Já não sabia comemorar de maneira diferente. A purificação de sua alma era certeira. A entrada de um novo ano, uma nova idade a faziam sorrir e até mesmo chorar de tanta alegria. Mesmo que isso significasse uma leve dor de garganta no dia seguinte. Quando não, alguns espirros esparsos. Sempre valia a pena...

Passou o dia limpando seu próprio quarto, livrando-se de tudo aquilo que considerava velho e dispensável. Prender-se ao passado é não ter expectativa de futuro, pior: é esquecer de viver o presente, ponderou enquanto revirava tudo. Separava roupas usadas e que já dançavam em seu corpo agora esquálido; alguns objetos já não tinham significado algum. Olhava fotos de uma época que nunca mais iria voltar, entre outras quinquilharias perdidas e escondidas em suas gavetas e armários ao longo dos anos. O dia seguinte marcaria o início de uma nova fase: mais madura, mais independente e mais feliz. Assim esperava e tinha determinado.

De hora em hora, olhava pela janela para ver se o céu escurecia um pouco mais, mas não havia ameaça de chuva. O sol, apesar do vento frio, brilhava como nunca. Lamentou-se por desejar ardentemente que chovesse, pois lembrou que outros sofriam com o excesso de pingos não muito longe dali. A chuva caiu sim, mas resolveu cair no lugar errado e de forma insistentemente cruel...

Sempre gostou de dias chuvosos. Os pingos, leves ou pesados, juntos ou espaçados caíam para abraçá-la. Um abraço igual, por inteiro e livre de preconceitos. Um abraço que lava e que acalma até o mais aflito dos corações. O dela estava assim: aflito, ansioso e perdido. Ora batendo tranqüilo, ora rápido e à beira da exaustão. O dia passava normalmente, com alguns telefonemas de pessoas próximas e várias mensagens de amigos. Sentia-se importante, em maior ou menor grau, para aqueles que fizeram questão de lembrá-la naquele dia que era quase só seu. Hoje, mais do que nunca, sabe em quem pode confiar. Sabe que habita em alguns poucos corações e isso já lhe basta.

Adiou a hora do banho até o último momento. Olhou pela janela novamente. Se for para chover, que seja agora! Pedido ou ordem em vão. Preparou-se para a noite que começava, como se ela fosse fazer toda a diferença. Talvez ainda chova, sua esperança não a abandonava. Não fugiria do seu compromisso de dançar, pular, cantar e conversar com a chuva, caso ela chegasse com algumas horas de atraso. É sempre bem vinda, independente do dia, da hora, da situação e do ânimo.

Mas a chuva realmente não veio e foi um tanto estranho. Mudanças podem assustar de vez enquando, mas sabe que amanhã tudo será diferente, mesmo que pareça tão igual. Comemorando com sua família, riu de vários episódios e de outros que foram um tanto quanto doloridos. Lembrou do ano vivido e de tudo o que tinha acontecido até ali. Lamentou a chuva ter escolhido outro lugar para cair, pois na única hora em que chorou - e chorou com gosto - , não teve pingo, nem gota, nem água que pudesse ajudá-la a disfarçar a dor e o alívio daquele momento: o de transição. Não teve como esconder suas lágrimas e a chuva falhou pela primeira vez. Com ela...

Não tem problema. Foi a primeira vez, mas não será a última. Hoje, diferente de anos anteriores, teve sol e ele brilhou insistentemente. Talvez não seja de todo ruim. Talvez seja apenas um sinal de que ela irá começar a brilhar. Irá brilhar a partir de agora e, mais importante: por conta própria... Finalmente!

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