terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Game Over

Ela estava vivendo apenas o quarto dia do inferno na terra. Difícil sobreviver àquela semana sem queimaduras de 1o, 2o ou 3o graus. O trabalho monótono, o despejo do apê e tudo aquilo que ela conseguiu perder neste curto espaço de tempo não pareciam suficientes. As mudanças foram drásticas e ele resolveu ter uma 'conversa séria' naquela semana maldita. Enquanto ela se torturava com seus pensamentos ou a falta de lucidez dos mesmos, ele dirigia calmamente pela cidade. Estava levando-a para o bar em que se conheceram 2 anos antes. Teria sido romântico, se a intenção dele não fosse terminar aquele relacionamento pra lá de conturbado. Ela já sabia do fim, só estava esperando que ele tivesse a capacidade de comunicá-la.

Pararam duas quadras antes do local. Ele abriu a porta do carro para ela descer. Quase não sentiu o chão, pois mesmo estando psicologicamente preparada para o fim - que ele decidiu e sem consultá-la -, a escolha do local foi um tremendo golpe baixo. Como não lembrar do dia em que se conheceram? Ela estava sentada em uma banqueta, bebendo cerveja e pensando em todo o trabalho que tinha deixado sem o menor peso na consciência. Ele surgiu do nada e sentou-se ao seu lado com uma cara de 'que dia infernal' maior que a dela. Na brincadeira e na inocência, ela colocou em prática uma vontade que sempre teve: a de cantar um homem com a famosa Oi, tudo bem? Você vem sempre aqui? e arqueou as sobrancelhas pra complementar. Antes que ele pudesse responder ela já estava rindo de vergonha. Não sabia se ele entenderia a brincadeira ou se ela era realmente péssima na 'arte de seduzir'. O fato é que conversaram horas a fio: desde as banalidades convenientes até os assuntos mais complexos e dignos de significado. Até que ela não resistiu e o beijou. Sem pedir licença, sem avisar, sem saber o que se passava naquela cabeça e o que ele realmente queria. Foi simples assim. O momento deles foi marcado assim. Isso e tudo o que se seguiu após - de bom ou de ruim - , estava para ser deixado dali alguns minutos...

Foram andando lado a lado e ela sentiu falta do toque e o entrelaçar de mãos. Falava algumas amenidades, mas ele não era muito fã de 'small talk'. Suas respostas eram mecânicas e desinteressadas o que fez com que ela desistisse de tentar. Pararam junto à marquise. O coração dela estava acelerado. O que quer que você diga eu já sei. Eu só preciso não me abalar além do que me é permitido aguentar, pensava. Enquanto ela mentalizava formas de se mostrar e conseguir ser forte ele começou a falar. Ela olhou ao redor implorando para que algo ou alguém a arrancasse daquela calçada. Era o único lugar em que ela não queria estar. Ele continuava a falar, mas parecia dizer coisas ininteligíveis e desprovidas de som. Ela fixou o olhar em seus lábios para tentar ler e compreender aquilo que era incompreensível aos olhos, ouvidos, mente e coração. O mundo movia em camêra lenta e ela era a pressa que já não fazia mais sentido. Pelo menos não no mundo que tinha sido deles...

Por que diabos não quer entrar? A escolha do local foi sua! ela gritava por dentro. Ele nem ao menos a olhava nos olhos. Com as mãos no bolso e olhando ora para o chão, ora para os lados, falava tudo aquilo que julgava importante. Ela apenas o observava. Como pude amar alguém tão frio e distante? Sabia que tinham diferenças enormes, mas elas não eram o problema. As imperfeições do próprio corpo e personalidade que tanto a atraíam, muito menos. O problema foi ele ter deixado de acreditar... Não nela, nem nos dois, mas nele próprio. À medida em que se desligava daquele momento, o céu escurecia sobre a cidade. Alguns trovões eram ouvidos ao longe. Vai chover, ela vibrava por dentro. Logo, pingos enormes e espaçados começaram a cair do céu e ele continuava proferindo aquele discurso premeditado que ela já não fazia mais questão de ouvir. Ela saiu debaixo da marquise, abriu os braços enquanto os pingos ganhavam velocidade. Começou a girar e a girar sem parar. Ele gritava, implorando atenção, mas ela já não se importava. Respirou fundo e disse: Não precisa dizer mais nada. Eu já entendi. Você vai continuar a sua vida sem mim. Tudo bem, você está livre. Pode ir... Foi embora caminhando deixando-o para trás. As lágrimas tinham sido encobertas pelos pingos da chuva. Era como se ela nem tivesse chorado. Era como se ela desconhecesse o que era dor. Era como se ela não estivesse dando às costas ao amor. Era como se ela fosse livre outra vez. Era como se ela também pudesse recomeçar, pois assim como ele, ela já tinha deixado de acreditar.