quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Ritual

Cama de casal só pra mim? Pode ser interessante, ela pensou antes de deitar. Pegou o travesseiro dele e abraçou junto ao corpo. Ainda era possível sentir o cheirinho de maracujá. Fechou os olhos e já sentiu a falta. Dele. Foi se arrastando de leve para o outro lado da cama como se ele estivesse ali para escorá-la. Mas ele não estava. Só voltaria de viagem dali 3 dias. O lençol estava gelado e ela não parava de se arrastar de um lado para o outro. Não conseguia sossegar e achar uma posição confortável. Precisava que seu espaço fosse delimitado. Precisava sentir o calor do corpo dele. O mínimo contato para conseguir dormir. "Só eu mesmo pra te aguentar!", ele costuma dizer. Mas quando o assunto é dormir realmente ela não é fácil. É pior que criança. Às vezes tem pesadelos e acorda assustada. Sofre de insônia quando está estressada ou ansiosa. Geralmente é vencida pelo próprio cansaço ou pela sessão vigorosa de sexo de quase todo dia...
O que diabos eu vou fazer pra dormir? Levantou-se e começou a andar de um lado para o outro. Ficou tão aflita que acabou batendo o dedinho do pé na quina da cama. A dor e a raiva foram tantas que ela não conseguiu nem gritar. Lágrimas escorriam sem parar e ela jogou-se, diagonalmente, na cama. Olhou para o teto e esperou. Sabia que só iria apagar vencida pelo cansaço... Na noite seguinte, encostou a cama contra a parede. Deitou-se bem junto a ela e com o travesseiro dele entre os braços. A parede era gelada e dura demais. Colocou algumas almofadas para amenizar, mas foi inútil. Olhou novamente para o teto pensando em como aquilo era absurdo. Passei mais de 20 anos da minha vida dormindo e acordando sozinha todo santo dia... E agora, não consigo mais?
Na última noite forrou o meio da cama com almofadas e travesseiros extras. Quase teve um sono agradável. De tanto se mexer acabou deitando por cima de todo aquele monte e acordou toda desconjuntada. Ela tentou, mas já não sabia mais dormir sem ele. Sem um abraço ou dedos alisando as suas costas. Ou aquela mão pesada em sua barriga. Ou sem a briga desigual pelas cobertas quando está frio. Ou por quererem distância um do outro quando está calor. Por se aproximarem sobremaneira quando estão os dois com calor e excitados. A mesma aproximação acontece no frio. Cutucá-lo no meio da noite para que não ronque é quase um ritual. Assim como a respiração quente dele em sua nuca ou ouvido. Ou como ele canta para ela dormir. Ou inventa histórias para que ela não consiga lembrar no dia seguinte...
Essa noite ele vai voltar. Ela preparou um chá e sentou-se no sofá para esperá-lo. Seus olhos pesavam e suas olheiras refletiam o resultado de 3 noites mal dormidas. Ele chegou e olhou para ela assustado. Ela sabia que estava parecendo um zumbi, mas ele tinha noção do porquê. Não era preciso perguntar. Foi até ele, puxou-o pelo braço e fez com que ele se deitasse com ela na cama. De conchinha. Antes de fechar os olhos disse:
- A próxima vez eu vou junto com você. Ou você não viaja. Ou ao menos, me dê um cachorro que possa dormir ao meu lado. Ou aos meus pés. Considere alguma dessas hipóteses. Ou pense em outras. Mas, por favor... Me ajude a dormir...

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