quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Quando...

Amanhã completo 77 anos. Há 1 ano fiquei viúvo. Só Deus sabe o quanto eu sinto falta da minha polaca. Não sei como ainda não perdi a noção do tempo, pois os dias depois de uma certa idade parecem todos iguais. Não existe mais novidade, não tenho mais ao meu lado a pessoa que fazia a diferença. Rezo todos os dias para o fim dos meus dias. Já vivi o suficiente, já vi muita coisa, ainda guardo na memória os momentos e pessoas que fizeram a nossa vida valer a pena. Claro que muita coisa já se perdeu aqui dentro, mas a idade e o passar dos anos também passam a ser cruéis com as melhores lembranças...
Há 2 meses saí do apartamentinho onde morei nos últimos 50 anos. Vou passar o resto dos meus dias sendo cuidado por minhas 3 filhas. Todas casadas e com filhos. A cada 6 meses, vou para a casa de uma delas. Vida nômade depois de velho. Pode ser interessante. É o que eu digo para me conformar já que elas não me deixariam sozinho. Hoje entreguei - modo de dizer, pois a decisão partiu das minhas filhas - o meu antigo apartamento a um jovem casal. O apartamento já estava vazio, sem os móveis e objetos de outros tempos. Não se parece mais com o aconchego daquele que foi o meu lar. É estranho... Como se fosse um lugar que eu não deveria lembrar ou que não fizesse parte da minha história pessoal, mas que ainda assim permanece na memória.
Enquanto a minha hora não vem sigo trabalhando. Não com a mesma intensidade e disposição de antes, mas pelo menos assim me sinto útil. Hoje sou empacotador num supermercado da região. Tenho colegas com a mesma idade. Somos poucos, mas ao menos o nosso medo é compartilhado. O mundo hoje é muito rápido e incerto. É assustador e é exatamente por isso que eu preciso me ocupar. O trabalho é mecânico e não ajuda muito a desanuviar, mas quando os clientes pedem ajuda ou informação eu preciso raciocinar rápido. Tão rápido que, às vezes, eu me perco em minhas idéias. Olho para os clientes e eles devem pensar "que tolice perguntar algo a um velho esclerosado". Ah, mas eu nem ligo... Minha filha mais nova reclama. Diz que eu não deveria e nem precisava me sujeitar ao trabalho depois de tanto tempo. Agora estou com ela e meus 3 netos mais novos. Nos meus momentos de folga (trabalho 3X por semana) gosto de remanejar o jardim dela. Tem flores lindas. Dou um auxílio ao jardineiro já que podar está fora de cogitação. Meus dedos não aguentam. Meus netos vivem brincando por ali. Acabam destruindo as flores mesmo que sem querer. Também gosto de observá-los. Na rua, em casa, no jardim, na frente daquela máquina que só mostra barbaridade. Videogame? Computador? Já não sei qual é o mais atual...
O diálogo com as filhas já é difícil. Com os netos é pior ainda. Muitas gírias e termos que não existiam na minha época. Parece uma outra língua... É muita mudança e modernidade pra minha cabeça secular, mas são garotos felizes e privilegiados. O mais velho gosta (aposto que a mãe dele o obriga) de caminhar comigo. Minha filha está certa em preocupar-se, mas ao mesmo tempo, o que poderiam querer roubar de um velhote como eu? Tanta coisa que eu já não entendo... Tenho quase 77 anos e agora espero minha hora chegar. Já não tenho medo. Fui muito feliz, aproveitei o que me foi permitido. A morte que não me erre a porta (não sei onde estarei quando ela chegar). Sei que a polaca já está a minha espera.
Vivo e caminho firme como se a cada esquina eu pudesse dar de cara com a morte. Seria um belo encontro e ela não me pegaria totalmente desprevinido. Se bem que preferia morrer dormindo... Já acordaria no paraíso ao lado da minha polaca.

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